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ENTREVISTA – Lorenzo Madalosso: do Irã à Índia


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Sabe aquele momento em que você está decidindo suas próximas férias? Nova York, Vegas, Paris ou talvez algo mais exótico como Jordânia, Vietnam e Cambodja? Pois é, dois empresários curitibanos no auge do estilo “não conta lá em casa”, decidiram aproveitar as últimas férias em uma aventura para poucos: Iran to India. Do Irã à Índia passando pelo Turcomenistão, Uzbequistão, Tadjiquistão, Afeganistão, Quirguistão, China e Paquistão em apenas 28 dias. Ufa!

Recebemos Lorenzo Madalosso no escritório do Disque9 para nos contar como foi esta experiência.

A escolha do roteiro pareceu acontecer sem grandes pretensões. Acostumados a viajar para lugares menos populares, a dupla estava curiosa para conhecer a belíssima Karakoran Highway (tem mais loucos no mundo) que liga a China ao Paquistão e também a Pamir Highway e pronto!

A chegada foi em Teerã, capital do Irã que pelo jeito, foi a parte mais tranquila da jornada. Teerã é uma metrópole como muitas por aí, trânsito caótico, arquitetura contemporânea arrojada e boa comida. Segundo Lorenzo, esta foi a melhor parte gastronômica da viagem. Tiveram inclusive a oportunidade de jantar com locais e conhecer um pouco mais de hábitos e aspectos culturais específicos. Apesar das chibatadas aos que não cumprem as leis e da apologia à guerra exposta em muitas paredes nas cidades, o povo é hospitaleiro e a dupla foi bem recebida

De lá, partiram em um trem até a fronteira do Turcomenistão, ex república da URSS e de difícil acesso. O visto é um processo que requer esforço e muita pesquisa no Lonely Planet e Google. É preciso contar com uma carta convite e turistas só permanecem no país acompanhados. A capital é Ashgabat (Ashkhabad) e o país, apesar de ser uma república presidencialista é governado por um chefe de governo com poderes quase absolutos. Durante muitos anos, o líder foi Nyyazow, falecido em 2006. Desde então, observam-se singelas tentativas de abrir o país para o resto do mundo, mas ainda muito modestas. O país esteve recentemente na mídia pelo polêmico concerto de aniversário do presidente, protagonizado pela super latina Jennifer Lopez.

Ashgabat foi destruída por um terremoto no tempo da URSS e foi totalmente refeita pelo presidente Nyyazo e hoje, segundo Madalosso, é uma mistura bizarra de Vegas com Disney.  Avenidas de cinco pistas para cada lado, sem carros ou pessoas nas ruas, monumentos gigantes de granito branco, jardins impecáveis e a foto do presidente espalhada por todos os cantos. À noite, a cidade fica toda iluminada e continua vazia. Há um telão de LED na frente do palácio só com imagens do presidente e as ruas são lavadas com água quente e sabão. Diferente, hein?

Fora da capital, as cidades são precárias e tudo é muito pobre. Um lugar espetacular para qualquer visitante é a cratera de gás natural em chamas, chamada Darwasa (Derweze). Esta cratera foi criada acidentalmente pelos soviéticos em 1971 na busca de gás natural que com medo de vazamentos, decidiram botar fogo para queimasse por alguns dias. O fogo está lá até hoje e os locais chamam a cratera de Porta do Inferno. No Turcomenistão, o povo é uma mistura de mongóis, russos, chineses e árabes.

Do Turcomenistão, seguiram para o Uzbequistão e lá visitaram uma cidade fortificada chamada Kiva, com minaretes muçulmanos e uma arquitetura bem diferente do país vizinho. De lá, partiram para Bukhara que vale a visita por ser linda e diferente de tudo que você já viu. Em relação à comida, muitas sopas, carneiro e pães de forno.

A viagem continuou no Tadjiquistão e segundo Lorenzo, “este lugar é o canal!” Ele menciona que mede o nível de globalização de um país pelo nível de conhecimento do Brasil e especialmente, do nosso futebol. Mesmo na ocasião em que esteve na África, quando falava de Brasil, sempre surgia o nome de algum jogador. No Tadjiquistão, nada… Nem sinal! O lugar é muito pobre, porém não miserável e muito exótico, com povo bonito e completamente isolado. O terreno já começa a ficar montanhoso e o visual é único, bruto e espetacular. Visitaram a capital Duchambe e seguiram viagem de aproximadamente cinco horas para a fronteira com o Afeganistão. Ali, Madalosso disse ter passado medo. Não é para menos, não é? Eles rodaram por 8 horas na fronteira com o país dos talibãs com um taxista que eles conheceram no mercado de um lugar qualquer no Tadjiquistão.

Para entrar no Afeganistão, tira-se o visto ali na fronteira. Você é recepcionado por Hummers americanos armas kalashnikov e um policial afegão armado com colete, bata e chinelo. Povo miserável, barbudo, condizente com o estereótipo que temos, fica observando espantado esta gente maluca que vem parar por aqui. Lorenzo passeou pelo bazar local onde os melhores itens são produtos US Aid. De repente, surge um personagem com um paletó surrado de sol, camisa vermelha e barba feita falando inglês. Este tipo apresenta a cidade e espera ansiosamente pelos raros turistas que aparecem na região para praticar o idioma estrangeiro e ter contato com o resto do mundo. Compras típicas são óleo Us Aid, tâmaras e pashminas.

De lá, a dupla aventureira de Curitiba voltou para o Tadjiquistão, chegando num dos pontos focos da viagem, as montanhas Pamir. Segundo Madalosso, o ponto alto da viagem foi o trajeto pela fronteira do Afeganistão em direção ao Quirguistão, devido à paisagem incrível, flores de papoula e um povo hospitaleiro que oferecia pão aos turistas escassos.

No Quirguistão, ficaram pouco tempo, mas foi o suficiente para sofrer um certo choque cultural com hábitos sanitários pouco habituais para ocidentais. De carona com um caminhoneiro, seguiram para a China. Chegando em Kashgar, aquela confusão. A cidade tem um quê de China moderna com prédios imponentes, mas mantém as ruelas árabes no centro. Bazar movimentado estilo turco, comida no chão, burburinho… Mistura de cheiros, cores, sons que constroem memórias mágicas.

Aqui, Lorenzo chegou no principal foco da viagem a Karakoran Highway. Yaks, estradas sinuosas, montanhas nevadas e um caminho inacreditável. Depois de sofrer diante da tradicional burocracia chinesa, os viajantes chegaram no Paquistão, em uma pequena vila chamada Passu. “O Paquistão é demais”, diz Lorenzo entusiasmado. Karimabad, lagos azuis nunca antes vistos, parte da estrada interrompida por um desmoronamento da montanha obrigando a realizar o trajeto de barco, cores, formas, é…Fantástico!

Na estrada para Lahore, passaram por uma área dominada pelos povos pashtun, bastante fechada e segundo a lenda, região que esconde alguns fugidos talibãs. Neste ponto, os intrépidos aventureiros foram escoltados e nos check points, perceberam que o último turista que havia passado por ali era japonês e fazia 20 dias. Em Guilguit, Lorenzo abandonou as pousadas e albergues e dormiu em um autêntico exemplar da hotelaria local, um Serena Hotel que tem detector de metal na porta. Coisas da região que por sinal está passando por uma severa crise turística depois do assassinato de vários montanhistas por talibãs, apenas 1 mês depois da viagem dos curitibanos. Rolou até um frio na barriga retroativo.

O Paquistão passa por uma crise energética e as cidades ficam apagadas à noite, porém isso não impede que a população vá ao mercado fugindo do calor de 47 graus durante o dia e ainda garante uma experiência única. O mercado de Lahore, impressionou Lorenzo, com toda a sua diversidade, vestimentas, gente circulando no escuro e boas lembranças. “Deu dó de deixar o Paquistão”, diz Madalosso.

A última etapa foi a Índia, já mais conhecida por nós. Visitaram Amritsar e viram o fechamento de fronteira entre Paquistão e Índia, hoje um espetáculo, estilo troca de guarda no Buckingham. Depois disso, Delhi e fim.

Carro, táxi compartilhado, trem, carona. Hotel, albergue, pousada de 2 dólares com wifi, comida de rua, chás, pães, sopas, lugares únicos, cores novas, povo hospitaleiro que divide sua própria refeição, fãs do lutador de MMA Shogun e muito mais! Que viagem incrível! Infelizmente, ainda são destinos exclusivos para os mais desapegados e aventureiros e nem pensar em uma girls trip. Para mulheres, Lorenzo só recomenda o  Tadjiquistão, Paquistão (Lahore) e a Índia.

Para finalizar, perguntamos qual o próximo destino e Lorenzo disse que quer ir para a Etiópia ou fazer um trajeto de moto pela Escandinávia. Seus lugares favoritos no mundo são a Bolívia, Paquistão e Mali. Nova York também entrou na lista, bem no finalzinho… Que tal? É admirável este nosso mundo, não?