PONTO DE VISTA – O hóspede de 2003
A Folha de S. Paulo publicou no mês passado a crônica “O Homem de 2003” do ator e escritor Gregorio Duvivier (Porta dos Fundos). Na narrativa ele apresenta um personagem que parou no ano de 2003 e em 2014 tenta levar a mesma vida: sai de casa achando que consegue chegar no centro da cidade em menos de uma hora e ainda tomar um cafezinho – “coitado” diz o autor.
Não parece tanto tempo olhando “daqui”, mas foi o ano em que Lula assumiu o país pela primeira vez, Saddam foi preso e o campeonato brasileiro passou a funcionar por pontos corridos. Aí você percebe o quanto está longe ao ver em uma retrospectiva a seguinte manchete: “Celular com câmera foi o gadget do ano”. Quanta coisa mudou, principalmente se falarmos de tecnologia! Diante disso foi impossível não fazer uma reflexão sobre os caminhos da hotelaria nestes últimos 11 anos.
O hóspede brasileiro de 2003 quando viajava de avião (talvez pela Varig) ainda não fazia o check-in pela internet, mas já preenchia a FNRH à caneta no balcão. No hotel ele estava aprendendo a usar o wifi, que não funcionava lá muito bem. Na hora de reclamar ou pedir alguma coisa o telefone do quarto era uma boa alternativa. Mas para falar com quem está longe, o celular já era a melhor opção.
O hóspede brasileiro de 2003 encarava fila no check-out e depois pedia seu táxi, que chegava muito mais rápido. Ele concorda que nada substitui o ser humano, mas que seria muito bom ter uma nova maneira de fazer esta solicitação.
O hóspede brasileiro de 2003 usa a internet para entrar no Orkut e ver seus amigos, mas também para responder alguns e-mails. Sua secretária envia por e-mail as confirmações de reserva, que fez pelo telefone. Mal sabe ele que o e-commerce no trade turístico ainda está em fase inicial e de muito debates.
O hóspede brasileiro de 2003 deita em uma cama boa e acorda numa muito melhor, só que em 2014. Ele olha pro lado e encontra um dock que não sabe muito bem para que serve. Ao lado um rádio relógio – ah, esse ele sabe exatamente como funciona. Ele vai procurar uma resposta na internet, que ainda apresenta a mesma lentidão. O telefone ainda está lá, bem como seu velho celular que possui diversas mensagens de amigos perguntando porque ele não está atendendo o Viber. Sua secretária é a mais irritada, dizendo que conseguiu uma oferta de última hora através de um tal de app. Ele descobre que está no futuro.
O hóspede brasileiro de 2003 decide descer na recepção e vê fila no check-out e também gente reclamando de um documento que já preencheu antes. Conformado que as coisas não mudaram tanto assim, ele procura o mensageiro para pedir um táxi e se assusta, pois esperava uma roupa mais futurista – o cap ainda está lá. O colaborador ensina que ele pode usar o celular para isso e o deixa maravilhado. Ele entra e decide que quer ver o que mudou na empresa que trabalha.
O taxista logo pergunta se ele trouxe algo para passar o tempo, pois o trânsito está complicado e a corrida vai demorar. A revista pendurada no banco deixa-o perplexo, ele não acredita no que está lendo, “Brasil, o país do futuro” – ele pensa: “mas ainda?”.
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O texto do Gregorio você lê aqui. // A imagem é um print da retrospectiva do Terra.