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ENTREVISTA – Chieko Aoki, a dama da hotelaria


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No escritório corporativo da Blue Tree Hotels na Avenida Nações Unidas, em São Paulo, fomos recebidos pela sempre impecável Chieko Aoki, presidente da empresa e que há muito tempo ganhou o título de Dama da hotelaria brasileira. Atenciosa,  sorridente e falante, Sra. Aoki (como é chamada pela sua equipe) compartilhou experiências e percepções sobre serviços, tendências, gestão e a milenar cultura japonesa.

A ATMOSFERA DOS SERVIÇOS

Exímia anfitriã e virginiana, Chieko Aoki é bastante atenta aos detalhes  e revisa tudo pessoalmente para que um evento seja perfeito. Ao nos receber, vinha de uma reunião anterior com a sua equipe, onde deu instruções sobre o jeito de andar, de falar, de cumprimentar e atender ao telefone durante o próximo evento da empresa, deixando claro que é obrigação que o básico seja bem feito.

Acredita que um hotel tem que ter uma atmosfera agradável e, para construir este ambiente é preciso acolher, ter cuidado e preocupação com o convidado e com os hóspedes. Alerta sobre um erro grave: há empresas que se preocupam em trocar a decoração e não estão atentas que, junto com ela, é preciso mexer na atmosfera, no astral da equipe e na forma de atender.

Criou na Blue Tree uma cultura de serviços e foco no cliente através de muita persistência, exemplos, treinamento e formas de comunicação, onde compartilha com a equipe a sua percepção aguçada das necessidades dos clientes da rede.

É, ter uma empresa com personalidade exige foco e esforços, não é mesmo?!

O CAPITALISMO SOCIAL

As mudanças do mundo estão no radar da executiva, que entende que há nas novas gerações, uma preocupação não somente com a vida presente mas com as gerações futuras, o que acarreta outras mudanças para o negócio hoteleiro, pois é preciso repensar os espaços, os materiais e as formas de fazer hotéis e negócios.

Acredita que as mulheres na gestão incentivam esta mudança de paradigma, pois dão mais força e consistência ao movimento. Entende que as mulheres não querem ser felizes sozinhas e, por isto, tem mais percepção do coletivo.

Mas o capitalismo social não é somente a preocupação com o futuro, mas a democratização do belo, da arte, do design bonito e atraente e da boa gastronomia, que antes era para poucos e que hoje é cada vez mais acessível. Chieko Aoki acredita que a hotelaria precisa entregar experiências únicas aos seus clientes, independente do valor da diária do hotel, e enfatiza: “O cliente quer coisas práticas, bem feitas e acessíveis. Estes são os ingredientes que permitirão a sustentabilidade nos negócios”.

O JAPÃO

O país oriental está dividido em duas alas, de acordo com a percepção de Chieko: os que querem preservar a cultura e a tradição e aqueles que querem “ocidentalizar” e, muitas vezes, as duas coisas se manifestam na mesma pessoa.

Este universo impacta a oferta hoteleira disponível por lá, que mescla hotéis bastante tradicionais japoneses, com muitos funcionários e serviços, com grandes redes americanas e européias, com equipe e serviços mais enxutos. Além das redes se beneficiarem com a alta qualidade de serviços oferecida pela equipe japonesa, que aprecia o ato de servir, os hotéis tradicionais locais entenderam que é possível obter maior rentabilidade através da eficiência dos processos e da gestão, além de muita capacitação e treinamento. É o mundo global aprendendo e se desenvolvendo!

Processos, metodologia PDCA, planos de ação e indicadores de performance são palavras antigas do vocabulário de Chieko Aoki e da Blue Tree Hotels, heranças da cultura oriental e de uma sociedade voltada para a gestão como é o Japão. Mas implantar tudo isto por aqui foi um trabalho árduo, persistente e contínuo, numa cultura flexível como a brasileira, onde estes temas “não estão prontos no coração, é preciso ensinar”.

Mas ela é rápida em salientar que a flexibilidade é uma das fortalezas do brasileiro, que deve valorizá-la e usá-la de forma adequada. Afinal, nem todos os países aceitariam mudar o acompanhamento do seu salmão no jantar, mas no Brasil o atendente é empático, se solidariza com o desejo do cliente e encontra formas de atendê-lo. Saber combinar a execução afinada do que é básico e inflexível, como segurança e infra-estrutura, por exemplo, com a flexibilidade e a sensibilidade da percepção do desejo do outro é a fórmula do sucesso! E para isto, muito treinamento!

É PRECISO ENTENDER A ESSÊNCIA

Perguntamos quais são as referências que ela considera consistentes no mercado hoteleiro atual e, com a mesma naturalidade com que contou histórias sobre a sua família,  compartilhou um ditado que diz que “exceto à mim, todos são meus mestres”.  Diz que aprende com todos os estilos de hotéis, mas que recentemente tem observado bastante a operação de hotéis de aeroporto.

Em recente viagem à Nova York se hospedou no Marriott do JFK e ficou positivamente surpresa com a consistência dos serviços. Em outra experiência, quando ela critica não dá nome aos bois, fez uma reserva num hotel que possuia outras propriedades na mesma rua e foi parar no hotel errado por falta de orientação correta do hotel. Na sua opinião, eles não entenderam a essência do hotel de aeroporto e o estado emocional dos seus clientes, que geralmente estão cansados e com pouco tempo para descansar.

“É natural esperar qualidade de um hotel da Aman Resorts”, disse ela, afinal eles foram concebidos para exceder expectativas, “mas o que me encanta é o hotel sem estrelas que entende o cliente e facilita a sua vida através de serviços bem pensados e consistentes”, completou.

Acredita que um dos segredos do sucesso é a clareza de que nunca será suficiente, de que “nunca chegou” (ao objetivo) e que aquilo que estiver bem feito hoje será ultrapassado amanhã. Com clientes cada vez mais informados e exigentes, é preciso estar em constante desenvolvimento e preparação. E o cliente precisa sentir que a equipe se preocupou com ele, através do cumprimento, da antecipação das necessidades, do cuidado, pois assim, mesmo que haja algum problema, o cliente vai entender. E a atmosfera é fundamental e precisa ser cultivada por todos os membros da equipe. Nunca é demais!

AH, SE EU SOUBESSE!

Em 2001, Chieko Aoki participou da edição brasileira do best-seller “Ah, se eu soubesse!”, que reuniu depoimentos de importantes empresários brasileiros sobre o que teria mudado nos seus negócios se soubessem 25 anos antes. Repetimos a pergunta para entender o que esta hoteleira competente, conectada com o mundo e líder de mais de 2.000 pessoas  gostaria de ter sabido antes e ela respondeu:

“Se eu soubesse que hotelaria é uma fonte tão forte de mudança de comportamento e forma de pensar das pessoas e que pode ter uma influência tão grande na cidadania e na educação, eu teria começado de forma diferente. Apesar de focar muito em treinamento, teria focado de forma mais ampla. Temos o trabalho da Semente da Árvore Azul, com formação profissional em algumas comunidades. Mas eu teria feito diferente, teria montado uma escola. Eu poderia ter contribuído mais com o que eu gosto – fazer mudanças de base, de comportamento, de olhar e de sentimento das pessoas. Eu teria dado mais importância, de uma forma mais consistente, à mudança das pessoas, não apenas da hotelaria”.

Neste momento, Sra. Aoki, após respirar fundo, concluiu: “Quem sabe eu poderia ter feito uma escola? Ah, que pena!”. Provocada de que ainda é tempo ela finalizou: “Não, isto agora é para vocês!”